Um passo, somente um passo.
O bobalhão acreditava que eu ficaria ali, olhando, estática, paradinha e quieta
como se fosse uma árvore.
– Não pode passar daqui! – avisou e foi embora, pisando forte, fazendo
soar as botas brilhantes, engraxadas com fúria e esmero.
Algo assim como uma raiva surda (ou muda?) começou a subir
de algum lugar do fígado, uma coisa insana, anormal,
como uma onda que avançava pelas minhas veias,
provocando uma revolução no meu sangue,
uma ebulição em todo meu corpo.
– Não pode passar daqui! – avisou e me deixou ali, parada,
esperando que eu não me mexesse, que ficasse como se fosse uma pedra.
Já falei, fico furiosa quando me dizem o que tenho que fazer.
Por isso, fiquei olhando para a faixa vermelha,
cuidadosamente pintada no piso impecável.
Olhava e não pensava, porque se começasse a pensar,
não sei o que poderia acontecer. Olhava e olhava outra vez.
Sentia-me pedra, árvore, coisa... E não sou qualquer coisa.
Não sou um ser inanimado, não sou o que eles, ele principalmente,
pensam que sou.
Aquela energia ou fogo ou onda subia desde algum ponto desconhecido do meu corpo,
não, não era do fígado. Subia e fermentava meu sangue,
sacudia-me, empurrava-me.
sorri e pisei firme do outro lado da faixa. Antes de escutar os disparos,
vi os projéteis. Mas já era tarde:
todos estávamos do outro lado da faixa, desobedientes,
felizes como uns idiotas, sem saber se a vida ia nos
premiar ou nos condenar por tanta rebeldia.